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Estadão aponta tendência gastronômica: sementes


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Germina uma tendência

Por Olívia Fraga, do Estadão | Chinês ou americano, carnívoro ou vegano, não há quem viva sem sementes. Lembre-se do arroz, trigo, milho. Agora, algumas menos conhecidas, como as de caruru e amaranto, estão deixando o gueto natureba para alta gastronomia

No Madridfusión, em janeiro, metade do público esteve perto da catatonia quando o basco espanhol Andoni Luis Aduriz apresentou um vídeo em que um queijo aparentemente comum era desconstruído até chegar ao… leite? Não. À linhaça.

O premiado chef do restaurante Mugaritz, em San Sebastian, aproveitou o evento que costuma lançar as tendências da gastronomia, na capital espanhola, para revelar sua mais recente obsessão: sementes.

Do uso trivial de grãos, o chef passou para um estágio de contínuo estudo sobre as transformações possíveis com espécies antes esquecidas pelos cozinheiros, como semente de anis, de cenoura, de erva-doce e de capuchinha (ou nastúrcio, planta que dá uma flor comestível).

O que começa a ser notado nas cozinhas de vanguarda nos últimos tempos pode ser comprovado no menu de sensações do Mugaritz: sementes étnicas, ainda não transformadas em commodity nos mercados mundiais, estão servindo de base para criações surpreendentes.

Grãos minúsculos, como as sementes de manjericão, amaranto e caruru, se transformaram em objeto de investigação, de (des)construção gastronômica. Saíram do gueto dos mercados naturebas. Não significa que as ervilhas, o gergelim, o arroz e o milho (que não é bem uma semente, como ensina o cientista e escritor brasileiro Gil Felippe) tenham sido superados.

Mas é uma transformação e tanto para uma família gigantesca, onipresente e onipotente no planeta. Tão grande e importante que pode alimentar tanto quem quer engordar quanto quem quer emagrecer. Hindu, africano, chinês, americano; carnívoro, vegetariano, vegano. Tenha hábitos alimentares exóticos ou ordinários. Nenhuma dieta – literal e figurada – é completa sem as sementes.

Das seis partes consumidas das plantas – raízes, caules, folhas, flores, frutas e sementes – as sementes são a fonte nutricional mais importante na alimentação humana, como explica o professor da Esalq Paulo César Tavares de Melo. Entre elas, o grupo principal é o de sementes de cereais, cultivados há 11 mil anos. Em seguida vêm as de leguminosas e nozes. “Trigo, milho e arroz são os alicerces da civilização.”

Essas plantas em estado de espera, a meio passo de uma mudança essencial, são a base de temperos, óleos, leites, guarnições, cozidos. Uma das maiores fontes proteicas e nutritivas da família dos vegetais.

A história da vida em sociedade se conta a partir do domínio das sementes pelo homem. Só aprendemos a contar e nos tornamos sedentários graças à domesticação de animais e à manipulação de grãos na agricultura.

No Brasil, nosso arroz com feijão é semente + semente – ou melhor, cereal e leguminosa juntos. Nas culturas do Extremo Oriente, sementes de flores e de ervas cruas e cozidas também são comidas com arroz. “A semente de ginko, chamada ginnam, é uma iguaria no Japão. Não se come mais do que três unidades por pessoa. Cozida e rapidamente passada no óleo, entra em flans ou em massa de peixes”, diz a cozinheira e blogueira Marisa Ono, que topou testar três receitas com sementes para o Paladar.

Abundante em hortas e jardins, o manjericão tem sementes ricas em mucilagem – quando hidratadas, liberam um gel, poderoso espessante. E a “pluripotência” da semente de abóbora faz a alimentação cotidiana dos mexicanos. “Quando seca, ela entra na salsa verde, em milk-shakes vendidos na rua, em energéticos ou comidas curtidas em sal”, conta a cozinheira mexicana Lourdes Hernández.

Neide Rigo, do blog Come-se, emprestou ao Paladar 11 sementes diferentes colhidas no jardim de sua casa – usamos 6. A cozinheira já testou todas (as receitas estão em seu blog), mas acredita especialmente no potencial da semente de caruru, cuja farinha pode substituir em parte o trigo para pães e massas.

Semente desconstruída. Andoni é apenas um dos überchefs que estão olhando para o campo de uma forma mais moderna – não só para aquilo que é visível na superfície, mas para o que está encapsulado no interior das frutas ou debaixo da terra. Chamou a atenção mostrando um cardápio quase todo baseado em sementes desconhecidas e lembrou da versatilidade de grãos esquecidos, como o amaranto. Mas não é o único.

Thomas Keller, do The French Laundry, na Califórnia, usou sementes de beterraba para fazer um sorvete e sementes de coentro para condimentar seu pastrame (que é feito de wagyu).

Os irmãos Torres, dos restaurantes Dos Cielos (Barcelona) e Eñe (SP), não se contentam em usar apenas as sementes. Aproveitam também a terra semeada. Levam tudo para a Gastrovac (uma panela de baixa pressão, que cozinha alimentos a vácuo), onde preparam infusões com verduras e cogumelos.

O uso de sementes requer testes e cuidado – muitas são tóxicas, principalmente as leguminosas e as de frutas, mesmo depois do cozimento-, mas oferece muitas possibilidades. Prova de que depois de terem se transformado em laboratórios de análises físico-químicas, as cozinhas de vanguarda desempenham cada vez mais um papel que estava nas mãos das indústrias: o desenvolvimento de produtos.

MANJERICÃO

Há quase 170 espécies do gênero Ocimum, ao qual pertence o manjericão italiano. Entre as mais conhecidas no Brasil (manjericão-anis, manjericão-cravo ou alfavacão), o comportamento da semente, quase microscópica, é o mesmo: quando colocada em água, vira um gel poderoso. O sabor da semente é mais suave que o das folhas – o que vale é a capa gelificante e a crocância. Hidratadas em leite e cozidas rapidamente (calor excessivo compromete sabor e textura), emprestam aromas ao sorvete indiano (kulfi) e aromatizam cremes de leite e chocolate.Originalmente esbranquiçada, é marrom quando amadurece e se presta melhor ao consumo.

CHIA

Os brasileiros acabaram de descobrir a chia, semente do gênero Salvia, originária das Américas. A chia é vendida em qualquer mercado do México. Por aqui, ainda é exclusividade de lojas de produtos naturais ou mercados gourmet. Pode ser consumida crua, cozida ou assada. O gosto lembra o de nozes. Crua, é moída e usada como se fosse pinole, vai para a massa do pão e pode ser misturada com farinha de milho ou trigo moído em sopas e mingaus. Mergulhadas em água, as sementes viram uma bebida refrescante – a chamada água milagrosa dos mexicanos. Se assadas, moídas e misturadas com água, dão uma massa gelatinosa, saborosa e nutritiva.

AMARANTO

É semente de 1 a 2 mm de diâmetro que, hidratada, conserva a superfície crocante e o interior macio. O amaranto pode ser cozido, assado ou moído como farinha. Substitui o cereal matinal e vira pipoca. As espécies de amaranto nativas do Velho Mundo são consumidas como verduras. Na América, comem-se apenas três espécies nativas (Amaranthus hypocondriacus, Amaranthus cruentus, Amaranthus caudatus), todas produtoras de sementes ricas em proteína e óleo. Incas, astecas e maias ofertavam essas sementes aos deuses. A população andina e mexicana nunca deixou de comê-las. Nos anos 70, os EUA redescobriram o amaranto.

SALSÃO

Grãos de aipo, ou salsão, são a versão seca e concentrada dos aromas do aipo fresco (Apium graveolens), uma planta aromática citada desde a Antiguidade por gregos e romanos. Essa concentração de aroma e sabor se dá pela presença de um óleo essencial, o apiol. É uma semente comum em misturas de temperos e embutidos na Europa, porque tem gosto mais amargo e é rica em sais minerais – pode ser adicionada ao sal comum ou, quando moída, substituir o sal de cozinha. A semente de salsão faz a alegria dos cozinheiros e bartenders. O uso como tempero do grão moído é amplo e irrestrito: dá sabor a carnes, sopas, molhos e é ingrediente básico no bloody Mary.

CARURU

Parente do amaranto – pertence ao mesmo gênero, Amaranthus -, o caruru (ou bredo-miúdo, como é conhecido na Bahia) que conhecemos no Brasil é de origem asiática. Há outro caruru comum no Cerrado brasileiro, de outro gênero botânico (Gomphrena), com folhas pilosas e cor arroxeada. Como se vê, chama-se de caruru uma ampla variedade de plantas e ervas rasteiras com uso ornamental e gastronômico – a folha do caruru é largamente utilizada na culinária baiana, por exemplo. As microssementes, bem escuras, são potentes: têm a mesma quantidade de proteína dos grãos de quinoa. Transformadas em farinha, podem ser usadas em pães ou ingeridas torradas.

MILHETE

De todos os cereais, é o que sobrevivo com menos – nutrientes e água. Por isso, disseminou-se na África e na Ásia, onde é cultivado há milhares de anos, e tem sido estudado pela Embrapa para ganhar terreno no Cerrado brasileiro. Todos os dias, é consumido por 1/3 da população mundial. Faz parte do dia-a-dia da China, Japão, Egito, Índia e toda a África. Cheio de proteínas, só muito recentemente foi reabilitado na mesa europeia. Para amolecer, precisa ser cozido em leite ou água. Substitui à altura cereais como o arroz. Na Índia, é usado para preparar o chapati. Quando cru, dá uma farinha seca e leve. Grãos germinados podem ser servidos em saladas e sanduíches.

É grão? Sim e não

Grão é mais que uma semente; em alguns casos poderia se chamado de fruto, pois tem tecidos que se desenvolvem a partir da polinização. “No caso do grão, não dá para separar a semente do fruto”, diz o professor Gil Felippe. É o que ocorre com o girassol, o milho e a erva-doce: o que identificamos como semente inclui pericarpo, tecido presente em frutos.

“No milho, o grão é fruto e semente, fundidos e inseparáveis. Quase todos os cereais têm suas sementes grudadas à parede do fruto. Quando ocorre a polinização, os óvulos da planta são fecundados pelo pólen. O óvulo fecundado é a semente. O ovário, que contem as sementes, passa a ser o fruto.”

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